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Uma das fibras têxteis mais antigas da humanidade pode ser a peça-chave para reverter os

A fibra de cânhamo, derivada do caule da cannabis, é uma das fibras têxteis mais antigas da humanidade, com registros de uso por pelo menos 12 mil anos. A Cannabis é uma planta que historicamente vem sendo usada para diversos fins, tanto medicinais, como para produção de roupas, bioplásticos, alimentos e mais uma infinidade de possibilidades.

De acordo com levantamento da empresa de inteligência de mercado de cannabis Kaya Mind, a regulamentação da cannabis no Brasil poderia gerar 117 mil empregos e movimentar R$26,1 bilhões em apenas quatro anos no país. “O cânhamo têxtil pode representar uma revolução sustentável na indústria da moda. Com seu baixo impacto ambiental e versatilidade, ele não apenas reduz nossa pegada de carbono, mas também oferece muitas oportunidades econômicas. É uma matéria-prima que alia inovação, sustentabilidade e crescimento econômico”, afirma Rafael Arcuri, presidente da Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC).

Diferente da Cannabis medicinal, a planta usada para produzir tecido possui um teor de THC abaixo de 0,3%, porém ainda carrega o estigma social da criminalização, e hoje, não há regulamentação para o cultivo da fibra no Brasil. Vale ressaltar que o histórico da proibição da cannabis no mundo e no Brasil está atrelado com a perseguição de povos marginalizados, como os descendentes dos escravizados e indígenas, somado aos interesses das indústrias, como a farmacêutica e do algodão. A proibição da produção interna impede o acesso a um mercado que pode contribuir com a saúde pública, com o desenvolvimento sustentável e além do estímulo à economia.

 

A indústria da moda carrega grande responsabilidade na emissão de carbono, além de outros inúmeros impactos ambientais, portanto é urgente a busca por processos e matérias primas que sejam menos impactantes. A pesquisadora e diretora do FiberShed Brasil, Eduarda Bastian, explica como o cânhamo pode ser uma alternativa: ” As longas fibras extraídas do caule do cânhamo são historicamente conhecidas por suas propriedades de resistência e durabilidade. Se beneficiadas de maneira mecânica, de maneira que mantenha seu comprimento e qualidades físicas, pode ser apta a diversas aplicações no universo têxtil. Além de suas propriedades mecânicas, a característica sustentável das fibras de cânhamo se relaciona diretamente com a maneira pela qual a planta é cultivada. É fundamental que as fibras extraídas sejam provenientes de cultivos orgânicos e agroecológicos, beneficiando o clima e o ecossistema local. Estudos confirmam a contribuição do cultivo do cânhamo nessas condições para a preservação da biodiversidade e para a regeneração do solo.”

Atualmente, no Brasil, algumas marcas vendem roupas feitas com cânhamo, porém a matéria-prima é produzida em outros países, principalmente na China, resultando em altos custos logísticos e não estimulando diretamente o setor interno. Além da origem, para Eduarda, também é fundamental considerar o processo produtivo desta matéria-prima: “Se cultivada em modelo de monocultura e com uso de pesticidas nocivos, pode ocasionar os mesmos impactos do algodão convencional. Além disso, os métodos de processamento da fibra devem buscar manter as propriedades originais da fibra, evitando processamentos que podem encurtá-las e enfraquece-las.”

A pesquisadora do Instituto Jurema, Paula Bulhman, ressalta a importância da educação: “É fundamental que haja incentivo às pesquisas sobre o cânhamo nas universidades brasileiras, pois além de ajudar a desenvolver técnicas de cultivo e processamento eficientes, o cânhamo tem potencial econômico rentável e sustentável para o país, sendo a chave para reverter não apenas os impactos da moda, mas também acesso a regulamentação que assegura todas as formas de uso da Cannabis.”

O mercado da cannabis já vem estimulando diversos setores da economia, como visto nos dois mais recentes eventos que aconteceram em São Paulo, a primeira edição da Expo Cannabis Brasil e o Festival Híbrido, que receberam milhares de visitantes e centenas de expositores. Mesmo estando no seu estágio inicial, os têxteis representam a segunda maior categoria na indústria do cânhamo, sendo que só em 2021, o mercado global de roupas de cânhamo foi avaliado em US$ 5,66 bilhões.

Para que a produção de cânhamo têxtil seja viável em solo brasileiro é preciso de esforços coletivos, tanto uma legislação mais coerente, como pesquisa e mobilização da própria indústria têxtil para investir em maquinários e estrutura específica para esta fibra. Enquanto este mercado não é realidade no país, é fundamental que haja articulações para disseminar informações relevantes, acabar com o preconceito e pressionar o poder público.